Empresas aéreas querem que o passageiro viaje em pé?
Você consegue imaginar um passageiro que viaje em pé durante um voo entre São Paulo e Rio de Janeiro, ou em qualquer outro trajeto? Se a pergunta parece absurda, mais ainda é a companhia aérea cobrar pela marcação antecipada do assento. Quem compra um bilhete para um voo implicitamente já adquiriu um lugar, a não ser que as empresas do ramo pretendam colocar os passageiros do lado de fora, no trem de pouso ou na asa. Os abusos nas viagens de avião no Brasil passaram do limite.
Na última sexta-feira, (27 de julho), Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Associação Brasileira de Procons foram apurar de perto as irregularidades e desrespeito a que são submetidos os passageiros, na ação de fiscalização “Bagagem sem Preço”.
Em uma dessas abordagens, Sophia Martini Vital, diretora do Procon Porto Alegre, questionou a cobrança para reserva de assentos, pois “o passageiro tem de ir sentado”. Pois é a que ponto chegamos!
As tarifas não caíram com o pagamento para despacho de bagagem, como havia sido prometido pelas companhias. Além disso, o passageiro que não antecipa a compra deste serviço paga ainda mais pelo despacho feito pouco antes do voo.
Para evitar este gasto extra os passageiros têm levado o peso máximo permitido pela bagagem de mão (10 quilos). Como não há, geralmente, espaço para acomodar todas estas maletas, mochilas e sacolas, parte delas é etiquetada e colocada no porão dos aviões. Pessoas idosas são obrigadas a carregar bagagens de mão enquanto circulam pelo aeroporto.
Ao menos os preços dos bilhetes poderiam ter caído. Mas o plenário do Senado rejeitou, no ano passado, projeto de lei para redução das alíquotas de ICMS incidentes sobre o querosene de aviação, insumo que tem o maior peso nos custos do transporte aéreo de passageiros. O projeto estabelecia teto de 12% para este imposto, cuja alíquota varia até 25%.
Seria uma medida efetiva para queda dos preços das passagens, mas não agradava os governadores, em meio à falência generalizada dos Estados.
O projeto dos aeroportos regionais também não andou, o que torna especialmente sofrido o transporte de pessoas em unidades da federação com dimensões continentais, como Amazonas e Pará, que deveriam contar com ampla oferta de voos mais acessíveis.
A agência reguladora da área, Anac, parece assistir a tudo isso da janelinha do avião. O desenvolvimento do Brasil, nos últimos anos, saiu do litoral para o interior do país, principalmente pela força do agronegócio. Mas ainda somos obrigados a viajar em rodovias inseguras, em longos trajetos.
Alguém está cuidando disso? Há providências em andamento para melhorar esta situação? Ela faz parte dos compromissos dos candidatos que pretendem se eleger a partir de outubro?
Não para todas essas perguntas. Então, corremos o risco de viajar em pé nos aviões.
Maria Inês Dolci
in Folha de São Paulo
01.08.2018