Voa Brasil é bom paliativo, mas não resolve o desequilíbrio no transporte aéreo

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Voa Brasil, programa de passagens aéreas a R$ 200,00, prometido para o próximo mês de agosto, será positivo para passageiros e companhias que atuam neste segmento económico. Mas se trata de mais uma medida paliativa, como foi o programa de descontos para carros populares. Governos (federal, estaduais e municipais), Legislativo, empresas de transporte aéreo e órgãos de defesa dos direitos do consumidor terão de discutir um novo desenho deste mercado.

No caso do programa que barateou carros que custam até R$ 120 mil, a estimativa é que 125 mil veículos tenham sido vendidos. Já o programa Voa Brasil tem um horizonte bem mais amplo, pois não depende de subsídios públicos, utilizando assentos vazios da Latam, Gol e Azul.

Mas no transporte aéreo, assim como na produção e venda de veículos, há um distanciamento cada vez maior entre o desejo de compra e a possibilidade de adquirir um automóvel ou uma passagem aérea.
Há diversos fatores ligados ao fraco desempenho da economia brasileira desde 2014. O PIB (Produto Interno Bruto) foi negativo em três anos neste período (2015, 2016 e 2020), praticamente estável (0,5% em 2014) ou em torno de 1% (2017, 2018 e 2019). Os únicos crescimentos mais relevantes ocorreram em 2021, 4,6%, em recuperação ao -3,88% do ano anterior, e em 2022 (2,9%).

O desemprego e o achatamento da renda familiar decorrentes desse cenário, fortemente impactado pela pandemia de coronavírus, têm dificultado a compra de passagens aéreas e de automóveis. Há outros fatores, como a carga tributária: o peso dos impostos varia de 30% a 50% do preço final dos carros fabricados no Brasil. No México, esta carga fica em torno de 16%. No Chile, 19%. As margens de lucro também são citadas sempre como mais elevadas no Brasil do que em outros mercados. E os veículos importados são tributados a partir de 60%.

As companhias aéreas, por sua vez, alegam que a maior parte de seus custos é dolarizada, e que a moeda norte-americana se valorizou muito frente ao real nos últimos anos. Além disso, o preço do principal insumo do transporte aéreo de passageiros, o querosene de aviação (QAV), subiu 129% entre 2020 e 2022. Em 2023, já houve redução do QAV, mas não no nível defendido pelas empresas.

As companhias aéreas também reclamam da cobrança de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) no QAV, o que encarece ainda mais os preços do combustível.

Quanto aos passageiros, os últimos anos foram bem difíceis: passaram a pagar o despacho das malas, lanches, refeições e até pela marcação de assentos. E os aeroportos, cuja administração tem sido transferida para a iniciativa privada, ainda estão distantes de um padrão mínimo de qualidade e conforto. Para piorar, ainda há poucos voos para o interior do país, o que é um grande equívoco comercial, pois o próprio Censo mostrou que o crescimento é bem maior longe dos grandes centros.
Por isso, enquanto são ativados programas paliativos, seria fundamental tomar medidas para que o consumidor não continuasse tão distante de um transporte essencial em um país com dimensões continentais.

Os consumidores merecem muito mais do que têm recebido.

Maria Inês Dolci

In Folha de São Paulo, 19.07.2023





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