Só a pressão do consumidor pode assegurar seus direitos
Toda vez que você reclama de um produto ou serviço que não foi entregue conforme prometido – em prazo, condições de pagamento ou segurança – ou de uma cobrança indevida, parece exercer um direito óbvio. E é, mas foi o Código de Defesa do Consumidor que ajudou a responsabilizar quem desrespeita os direitos do consumidor.
O CDC6 vai completar 30 anos no próximo dia 11 de setembro, em um momento ruim para o consumidor em geral, que deve ficar atento para evitar que seja enfraquecido até a irrelevância.
Nos últimos anos, todos os esforços governamentais têm sido no sentido de fortalecer empresas. E isso ocorre com mais força após a pandemia, “passando a boiada”, como foi sugerido em reunião ministerial no dia 22 de abril deste ano.
Recentemente, foi sancionada com vetos presidenciais lei que visa a diminuir as perdas das companhias aéreas provocadas pela pandemia. Uma das medidas tem sido bancada pelo consumidor – o prazo de 12 meses para reembolso de passagens de voos cancelados. Pela nova lei, foi invertido o ônus da prova em ações judiciais por danos morais nas viagens aéreas. Ao contrário do que determina o CDC, caberá ao cliente comprovar a efetiva ocorrência de prejuízo, se quiser pleitear indenização, por exemplo, devido ao atraso ou ao cancelamento de voos.
Como já observamos neste espaço, a pós-pandemia exige urgente aperfeiçoamento no CDC, referente ao comércio eletrônico e ao superendividamento. Duas atualizações, digamos, que já estão prontas há oito anos, mas que nunca foram votadas.
A questão é: o consumidor tem noção do quanto ganhou nos últimos 29 anos de vigência do Código (que foi sancionado em 1990, e começou a vigorar seis meses depois, em março do ano seguinte)? Sinceramente, acho que não, porque a impressão é que sempre tivemos todos estes direitos assegurados legalmente.
O processo de desregulamentação atinge todas as áreas que, supostamente, são vistas como empecilhos aos negócios: meio ambiente, reservas indígenas, trabalhista, previdenciária etc. Mas com acentuado desemprego, queda de renda e endividamento, será que as famílias terão mais condições de consumir?
Lembro que o consumo das famílias é o principal fator de avanço econômico no país. Um CDC menos respeitado não vai aumentar as vendas. E se continuar sem atualização, nos aspectos já citados, dificultará a vida do consumidor, sem gerar novos negócios, poder de compra nem redução da desigualdade social, que se sobressai ainda mais em períodos como o que estamos vivendo.
Maria Inês Dolci
In Folha de São Paulo
12.Agosto.2020